Sunday, September 21, 2008


parte da pesquisa Camille: Infância

Hoje estou me sentindo como uma criança perdida na praia segurando um baldinho
Tão pateticamente perdida que fico me imaginando com uma tanga daquelas infantis mesmo, sem sutiã, andando na areia, com o baldinho a procurar o meu guarda-sol.
Eu ainda não estou chorando e nem pedi ajuda
Eu acabei de perceber que estou só
Aquele mar de gente de um lado
E aquele mar do outro
Aquele mar que eu sempre quis só pra mim
Aquele mar que eu sempre quis entrar sozinha
Mas aqui estou eu com o meu baldinho a procurar meu guarda-sol.
Cadê? Cadê? Cadê?
O Cadê Faz a gente se mexer de um jeito esquisito e com pressa que faz todo mundo reparar na gente.
Mas eu sempre gostei de disfarçar quando estou com algum problema.
Eu vou me achar sozinha.
Minha mãe sempre me dizia “se você se perder, procura pelos holofotes, nós vamos estar sempre na frente”.
Na frente onde? Na frente do holofote?
Acho que todas as mães tiveram essa idéia, eram muitos guarda-sóis na frente do holofote.
Passou um moço vendendo queijo e me perguntou se eu queria.
Eu não sabia se eu queria.
Lembrei de um amiguinho que me dizia
Se não souber o que responder, responde com uma pergunta.
De onde vem os queijos, moço? Da lua?
O moço saiu andando.
Acho que ele estava com pressa.
Devia estar perdido.
Pensei, se é pra ficar perdida pra sempre, prefiro ir pro céu.
Olhei pra lá. Estava passando um daqueles aviões, com dizeres.
“Filha, sua mãe te espera no holofote”
Era o que eu queria que tivesse escrito.
Quando eu fico perdida, pra onde eu olho, leio um monte perguntas.
No céu tem flor? Quanta água tem no mar?
No céu só tem flor se alguém jogar.
E no mar tem bastante água para encher todos os olhos de lágrimas.
Eu teria respondido isso se eu fosse poeta, um amigo meu me contou que quando a gente não sabe uma resposta a gente responde como poeta.
Se todo mundo soubesse tudo, não ia ter poesia?
Eu continuo perdida.
Agora eu estou meio chorando e fazendo poesia, eu acho.
Poesia é o que a gente faz antes ou depois de chorar.
Resolvi entrar no mar de gente. Ai, ouvi tanta coisa.
Ouvi uma moça dizendo que está apaixonada por um moço, mas ele não.
Acho que ela vai fazer poesia,
Ouvi uma senhora de baton dizer.
Por que os homens são tão insensíveis?
Li o pensamento de um menino que olhou pra mim.
E se eu for criança pra sempre? Eu não vou conhecer o amor?
Ouvi um moço dizer
No fundo não aconteceu nada nunca com ninguém.
No fundo onde? Não aconteceu nada como? Nunca, tem certeza?
Com ninguém, mesmo?
Peguei tanto tudo que eu ouvi, que me dês-acalmei.
Às vezes, pensar o pensamento dos outros só desacalma.
Resolvi sair do mar de gente
E olhei pro outro lado
Pro lugar daonde vem as lágrimas,
Se o mar é daonde vem as lágrimas, o mar é feito de poesia?
Estou procurando meu guarda-sol, mas só acho poesia.
O único perigo de agora em diante é nunca mais parar de fazer poesia.
Eu só falo em poesia, acho que eu estou apaixonada.
Dizem que quando a gente só fala numa coisa é porque está apaixonada.
O único perigo de agora em diante é se apaixonar;
Entro ou não entro no mar?
Devia ter falado para minha mãe, agora ela deve estar preocupada.
“Mãe, volto já com alguns pedaços de mim que devem andar espalhados por aí
Quem sabe em alguma marolinha”
Vou fazer de conta que eu disse isso
Vou ver se encontro meu guarda-sol lá do mar
Assim meio por acaso
Como quando a gente abre alguma página de um livro
Daquelas que a gente abre sem querer
Naquele minuto em que nos falta a sabedoria de inventar
E aquela frase nos inventa
O que eu achei?
Não aconteceu nada nunca com ninguém.
Talvez.
Talvez eu nem tenha me perdido.
E hoje eu nem esteja me sentindo como uma criança perdida na praia segurando um baldinho.
parte da pesquisa Camille: Desapego
Réquiem para um Pedido
Finalmente pude comer com calma a sombra das tuas pestanas
E o gosto foi de copa de árvore
Descanso de Luz
Derrame de Água
Foi de Sonata
Catarata esmeralada
Foi
Fez-se
Houve tempo pras ondas se abraçarem
Se ouvirem
E na espuma se divertirem
Teve Tempo pra maquiagem virar miragem
Pro deserto virar mar
Pro mar molhar concreto
E a concretude toda jorrar no céu da boca
Do rímel desfeito fez-se o contorno real dos olhos
E das pálpebras assombradas da menina e do menino fez-se a luz
Foi o réquiem para um pedido
Mais duro que o sonho de um martelo
Pra mim o momento mais difícil
Desde a última bronca de meu avô
Te transformar no meu chamado do lugar de amado
Para o de amigo
Tormento
Instantâneo Lamento
Que Só agora acho que entendo
Achei que desabaria junto com o majestoso às seis da tarde, mesmo toda cheia de cor
Mas escolhi um lugar pra vê-lo se pôr
E a alvorada teve gosto de aurora
Tu tiveste gosto de amigo
De proteção
Do pranto o pronto alívio
Pois dos idos do navio para o além
Ficou uma semente na barriga de alguém
No lugar do desejo da boca
Dançando tão bonitinha com a outra
Ficou a certeza do olho
E No lugar do colo
Aos invés das pernas abertas
Ficaram as descobertas
Abençoadas pelo porvir
Sol posto
De olhos fechados
Pude Escutar de novo as cordas da tua voz sussurrarem uma canção secreta
E a minha sensação foi de desapego
Desapego com a vitória e com o fracasso
Soltura
Ali pedi pra começar a te modular diferente
Nas minhas ondas cerebrais
Te libertar, passarinho
Do lugar que eu criei pra ti
De Príncipe do futuro
De meu Homem
De meu companheiro do café da manhã de algum dia
Não pedi pra parar de te desejar
Porque sei que não vou conseguir
Pois tenho muita vontade pra te dar ainda
Mas como estava no meio da oração e não podia cair em tentação
Pedi apenas Pernas
Para Dançar caso alguma sensação involuntária
Venha pra mim por debaixo da saia
E aqui estou eu mais leve
Transformando
E não pensando que dentro de mim um dia coube um alazão

Wednesday, September 10, 2008

Parte da pesquisa Camille: Dor

Hoje estou me sentindo como uma planta que tomou muita chuva.Acho que estou com aquela cara que as pessoas olham e se perguntam “será que ela morreu?”. Sei que ainda estou viva porque estou respirando ainda que com dificuldade.Eu sei que ainda estou cheirosa, mas não sinto, tenho em volta muita fumaça e cheiro de cigarro. Há dias atrás era a mais bonita do jardim. A que todos queriam colher. A que não se deixava ser colhida, mais por vaidade do que por pudor. Nunca quis fazer parte de um buquê. Mas hoje estou me sentindo como uma planta que tomou muita chuva. Não me tentaram colher. Só não me olharam mais. E tudo começou quando resolvi deixar chover em cima de mim. Eu fiz chover. Acho que inaugurei um nova de mim. Ou inovei a minha antiguidade. Virei ao avesso, vesti minhas pétalas ao contrário. E desfolhei. Desagüei junto com a chuva pedaços da minha beleza, da minha intimidade-flor. Da minha pureza branca e agora estou molhada. Hoje estou me sentindo apenas mais uma. Quase me deixaria virar um pedaço de pudor no meio de um buquê. Só uma flor que ninguém colocaria num buquê começa a sentir pudor. Não há por muito tempo uma virgem perdida num buquê de putas, pra ser mais clara. Agora sou mais clara, apesar das manchas de água que estão secando em mim. Me deixei sacrificar. O sacrifício sempre chama a chuva.

Friday, September 05, 2008

Bem do Alto da Duna

Entre os mortais e o Eterno, há um meio físico mediador: o deserto,
quadro tradicional das teofanias.
Moisés, Jesus ou Maomé, quer no Exôdo, na Tentação ou na Fuga,
nossos profetas foram todos "peregrinos das areias".
O árido nos cura dos ídolos.
O "verdadeiro Deus" se opõe ao falso
como o desolado ao povoado
e o mineral às vegetações
Renan concluiu um pouco apressadamente: "o deserto é monoteísta".
Ele só o é, de fato, se o beduíno souber ler.
Há uma ecologia do divino, incontestavelmente,
mas o deserto é tão somente um lugar de passagem
e o que permite atravessá-lo é o domínio dos signos,
pois o acesso a transcendência
não está na imensidão das coisas, mas na sua miniaturização.

Autor (por mim) desconhecido
poesia e verdades de mentira