Sunday, April 18, 2010

MÚSICA PARA NINAR DINOSSAUROS estréia dia 24 de abril no Espaço PARLAPATÕES

Crítica postada por Nelson de Sá no blog CACILDA! em 20/03/2010

É um alívio ver que Mario Bortolotto escreveu uma comédia _e musical, ao menos parcialmente_ depois do que passou.

Uma comédia politicamente incorreta, misógina, como ele mesmo proclama no correr do texto; mas também de personagens ingênuos, adolescentes anacrônicos, antes filhos do que opressores das prostitutas que compõem metade dos 12 personagens, nesta produção de médio para grande porte.

Por qualquer razão, que não consigo identificar, são as mulheres da plateia que riem mais, bem mais. Talvez porque os papeis masculinos se exponham quase como crianças. Ou talvez, fantasiei a certa altura, porque o autor e ator, no episódio célebre, enfrentou assaltantes que agrediam duas mulheres.

(Outra imagem, que cerca hoje a figura de Bortolotto, no que também é abordado subliminarmente na peça, é que os tiros que levou, os dias sob risco de morte e por fim a cobertura espetacular elevaram o dramaturgo ao panteão da celebridade de mídia, embaralhando a relação usual da plateia com o palco, para o bem e para o mal, em ondas.)

A peça é engenhosa, a mais bem construída das que vi dele, e prostituição e misoginia claramente não são seus temas centrais, mas atalhos. Envelhecer, os amigos, amor e sexo: são estes os eixos. Por toda parte, as "one-liners" servem de porta de entrada para devaneios nada cômicos, num ruído constante de tristeza.

À primeira vista, o texto parece remeter à farsesca "E aí, Comeu?", de Marcelo Paiva, mas logo se percebe que não é o caminho do dramaturgo. É uma comédia amarga.

Não falta sequer uma tentativa de suicídio, de uma das prostitutas, lá pelo meio. E a "bagagem" revelada pouco a pouco, por todos, homens e mulheres, remete ao vazio, mais do que à saudade.

Talvez a frase de maior eco seja aquela de que, afinal, "não tem importância". Sonhos, ambição, a própria vida, nada tem.

Em tempo, "Música para Ninar Dinossauros" é dividida em dois planos, o presente quarentão e o passado pós-adolescente de três amigos. Em ambas as cenas, que se entrecuzam seguidamente sem interagir, eles estão com mulheres, prostitutas às quais se apegam quase como outros amigos, com quem falam sem precisar conter gestos e palavras.

A qualidade da interpretação surpreende, em muitas das atrizes e principalmente nos dois amigos não originalmente atores do próprio dramaturgo, Lourenço Mutarelli e Carlos Carcarah.

Como em quase tudo, é possível identificar lembranças de amigos reais em seus personagens, amontoando piadas e abuso verbal com fidelidade e proteção comum.

Vi no segundo dia, depois de uma estreia com muito atraso no festival de Curitiba, com problemas de iluminação e de ritmo, pelo que me contaram, e não vislumbrei maiores percalços.

É, muito provavelmente, o espetáculo de maior apelo de público que Bortolotto já escreveu, encenou e interpretou -e não só por ter se tornado celebridade. Mas sua voz singular, sua auteridade, como descreveu o diretor Roberto Alvim há pouco, num debate de ambos aqui, está lá. Não se perdeu.

(Nelson de Sá)
Crítica postada por Luciano Mazza no Caderno Teatral em 21/03/2010

Melancólica poesia urbana

Peça: Música Para Ninar Dinossauros |
Aguardado retorno do autor, diretor e ator Mário Bortolotto, “Música Para Ninar Dinossauros” fez suas primeiras apresentações na Mostra Oficial do Festival de Curitiba. A peça apresenta um trio de amigos, já passando dos quarenta anos, que recorrem a prostitutas para lhes fazer companhia em noites que parecem não ter fim. O texto mostra, em paralelo, a vida destes homens algum tempo atrás quando, jovens, já tinham seus destinos desesperançados traçados, e a relação com garotas de programa estabelecida. Os personagens da dramaturgia do autor vivem à margem de uma sociedade cujos códigos e valores rejeitam, são seres excluídos, e excludentes, estrangeiros em um mundo cada vez mais formatado, e no qual eles não se encaixam, não vêem sentido. Vivendo ao som do blues e do rock'n'roll, com cocaína, whisky ou cerveja, eles procuram belas mulheres para chamar de suas, embora aquelas a quem amam (e sim, algumas destas figuras são realmente apaixonadas, e constituídas de um romantismo próprio) os abandonaram. Aqui, este universo torna a aparecer, a grande diferença deste para outros textos do prolífero dramaturgo, é que seus personagens envelheceram. Se antes suas peças eram o olhar de uma juventude vazia ou deslocada, agora ele mostra essas mesmas pessoas dez, quinze anos depois, com suas escolhas consolidadas e suas angústias já assimiladas num peculiar estilo de vida, ou falta dele. Poeta urbano, o autor extrai, do banal, momentos bem humorados, que levam o público às gargalhadas, e outros, de profunda melancolia, trazendo com legitimidade uma certa idealização para a cena, onde sua iconografia, de influências como o movimento beatnik, surge forte e determinante para aquele ambiente. No que diz respeito a direção do dramaturgo, ela é bastante simples esteticamente, sem maiores preocupações formais, ou de acabamento, trabalhando com pouco, ele usa os recursos mais básicos, que sirvam a contar sua história, valorizando o texto e abrindo espaço para as boas atuações sobressaírem. Graças a este conjunto, uma das cenas mais bonitas, e representativas, da peça é quando uma das jovens prostitutas canta uma música, acompanhada por outra ao piano, desconstruindo o esteriótipo esperado. Quanto às interpretações, o principal destaque é o elenco masculino mais velho, encabeçado pelo autor e diretor, que sabe exatamente o quê, e como quer, que seu personagem - o mais interessante dos três – se materialize, de forma genuína. O cartunista Lourenço Mutarelli surpreende com uma interpretação um tanto agitada, a qual o público parece ter grande empatia. Paulo de Tharso, além da bela voz cantando, conduz sua figura na medida certa, sensível, e sem afetações. Já os jovens atores, Francisco Eldo Mendes, Carlos Carah e Marcelo Selingardi demonstram empenho, mas carecem, ainda, de maior amadurecimento de seus personagens, estando presos à forma, e soando um pouco como caricaturas dos atores mais velhos, em especial o primeiro. Com a continuidade dos ensaios é provável que eles fiquem mais confortáveis e independentes em suas criações. Das atrizes, destacam-se, pelas interpretações, Helena Cerello , em especial, e Carolina Manica, enquanto Paula Flaiban tem ótimos momentos cantando. Completam o elenco feminino Daniela Dezan, Wanessa Rudmer e Fernanda Sanches. “Música Para Ninar Dinossauros” - que estreia dia 24 de Abril em São Paulo - é uma típica peça do autor, mas com algo um pouco diferente em sua dramaturgia e que, em breve, pode surpreender.


O editor viajou a convite do Festival de Curitiba.


Serviço: Espaço dos Parlapatões (SP) | Sábado 21h e domingo 20h