Tuesday, June 20, 2006

CLAMO


Levantei-o como um atleta,
levei-o como um acrobata,
como se levam os candidatos ao comício,
como nas aldeias se toca a rebate
nos dias de incêndio.
Clamava:
"Aqui está, aqui! Tomai-o!"
Quando este corpanzil se punha a uivar,
as donas
disparando
pelo pó, pelo barro ou pela neve,
como um foguete fugiam de mim.
- "Para nós, algo um tanto menor,
algo assim como um tango..."
Não posso levá-lo
e carrego meu fardo. Quero arremessá-lo fora
e sei, não o farei.
Os arcos de minhas costelas não resistem.
Sob a pressão
range a caixa torácica

Máiakovski

Monday, June 19, 2006

Trecho de "O Profeta" de Khalil Gibran

Então disse um homem rico: Fala-nos do Doar.
E ele respondeu:
Doais pouco quando doais vossas posses.
Só quando doais a vós mesmos é que doais verdadeiramente.
Pois o que são vossas posses além de coisas que mantendes e guardais por medo de precisálas amanhã?
E amanhã, o que trará o amanhã ao cão excessivamente prudente que enterra ossos na amplidão do desreto ao seguir peregrinos para a cidade sagrada?
E o que é o medo da necessidade se não a própria necessidade?
Não é o medo da sede, quando vosso poço está cheio, a sede que é insaciável?
Dizeis com frequência: "Darei, mas apenas aos que merecem"
As árvores do vosso pomar não dizem isso, nem os rebanhos em vossas pastagens.
Eles dão para viver, pois guardar é perecer,
E vós, que recebeis - vós todos são os que recebeis - não carregai nenhum peso da gratidão, exceto para sujeitar a vós mesmos e àquele que doa.
Em vez disso, elevai-vos junto com o doador sobre suas dádivas como se sobre asas;
Pois ficar preocupado demais com sua dívida é duvidar da generosidade daquele que tem a terra generosa como mãe e Deus como pai.

Monday, June 05, 2006

De almas sinceras a união sincera
Nada há que impeça: amor não é amor
Se quando se encontra obstáculos se altera,
ou se vacila ao mínimo terror.
Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia vela errante,
Cujo valor se ignora, lá na altura.
Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfanje não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,
Antes se afirma para a eternidade.
Se isso é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou.

W.Shakespeare

onde foi parar esse amor?

Wednesday, May 17, 2006

OPINIÃO

Não vou morrer na minha quitinete
MÁRIO BORTOLOTTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ordem agora é morrer nas próprias casas. Uma das frases que mais me marcaram nas últimas semanas foi justamente a frase dita por Sara Joanna Gould, uma americaninha de 21 anos que tá fazendo intercâmbio no Brasil. Ela falou pra Revista da Folha: "O que me surpreende não é a pobreza, comum na América Latina, mas sim a riqueza, o número de milionários em um país como o Brasil".
Sacaram? Vocês que agora estão escondidos em suas casas, com medo de saírem às ruas pra tomar uma inocente cerveja ou pra ir a um cinema depois de um dia cansativo de trampo e pavor? Vocês sacaram que isso que vocês estão passando nesse momento é rotina nas favelas cariocas? O toque de recolher, o abaixar as portas, o rezar baixinho pra que ninguém ouça. Às vezes tão baixinho que nem Deus ouve.
E a gente faz de conta que tá acontecendo longe daqui, num país distante de alguma fábula de terror. E agora você tá vendo os busões incendiados, as estações de metrô metralhadas, e você tá dentro do trem fantasma.
E você pergunta pra mim o que eu penso disso? Eu não sou político, não faço parte de nenhuma igreja, não sou banqueiro nem empresário. Não lucro com nenhuma espécie de proibição. Mas tem gente lucrando, não tem? O pouco dinheiro que ganho trabalhando é pra pagar as contas e comprar livros. E você vem perguntar pra mim o que eu acho disso? Você acha que isso aí é só uma guerra de polícia e bandido?
Faz a autópsia da situação, brother. Com atitudes meia-boca não vai acontecer nada de fato. Não vou gastar meus 1.600 toques com palavrório empolado. Libera tudo, meu irmão, divide o bolo, libera as drogas, a pirataria e a putaria, deixa todo mundo trabalhar livremente e ser o dono de suas próprias vidas.
Oportunidade pra todo mundo melhorar de vida. Iguala as condições pra batata não assar. Mas é claro que isso não vai acontecer, não é? Então não perguntem pra mim o que acho disso. Nunca perguntem para alguém libertário como eu o que acho de algo assim. Você tá com a bunda no inferno e quer manter a dita refrigerada?
Eu tô em casa, mas prefiro optar por não morrer aqui. Ainda posso fazer isso. Vou sair pra tomar uma cerveja. Se eu ainda tivesse um pai, arrastava ele comigo. Meu nome é Mário Bortolotto e não existe nada de que eu goste mais do que um pingado e um pão com manteiga depois de uma noite de sinuca.



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Mário Bortolotto é dramaturgo, diretor de teatro e ator

Friday, May 05, 2006

“Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente e se pensa. Se em certa conversa tivesse tido as frases que só agora, no meio do sono elaboro...”

Escrever me incomoda, não posso ser as palavras. Eu queria almoçar essas palavras, no mínimo, mesmo não sendo muito, mas o máximo que ainda me permito é almoçar com essas palavras. Perguntei ao meu estômago se eu o incomodo. Baixinho, pra não incomodar. Isso me é indiferente, hoje. A resposta me pareceu um ponto final na minha narrativa, se é que ele ouviu a minha pergunta. Se eu não te incomodo, que diferença faz continuar. Ele respondeu, Suas palavras não são ruins, talvez um pouco doces demais. Tenho certeza de que ele está cheio de mim, mas o nome doce era pequeno demais pra me enjoar da conversa, porém era o que ele dizia, e não vejo que interesse ele poderia ter de estar mentindo a respeito, evidentemente nunca se sabe. Por mais que eu estivesse pouco à vontade com os mistérios das minhas entranhas, perguntei se era possível ilustrar melhor a sua percepção, com algum exemplo. Ele pediu, se é que eu ouvi direito, que eu descrevesse o que acabara de engolir no almoço, bastante satisfeita. Até então eu estava igualmente satisfeita quanto a conversa, mas quando fui convencida a fazer um exercício de memória palatar, confesso que senti preguiça. Não tenho nada contra comer, quando estou comendo. O cheiro da berinjela, e aquela sensação de que suas sementes vão se misturar com o arroz, só me dão prazer, durante a degustação. Se me surpreendo em processo de recordação, já estou pensando como é que se escreve shoyu, o que faz muita diferença pra quem quer se esquecer, como eu, de que seu cheiro outrora forte e saboroso, pode ter tomado outras proporções dentro de mim. Não falei nada do kibe, porque ainda estou presa no que pode haver de doce nessas palavras. Vamos lá, sr. satisfeito cheio, a minha parte está feita, estão aí acima, meus breves escritos, minhas impressões sobre o meu almoço.



(ele)Se você não fala do que come, não comerá o que fala. Mal têm tempo de decantar o que pôs goela abaixo e já lhe causa asco!



(eu)Ah, não me venha com lições, não há nada mais generoso e doce que conselhos gástricos.



(ele)urrr



Ouvi um dinossauro e se não foi uma resposta torta que eu estufe. Costumo denominar de “dinossauro” todas as interjeições advindas do aparelho digestivo. E foi assim que passei a tarde. Quando estava em atividade, não os ouvia graças aos outros ruídos. Mas assim que o silêncio encostava no meu ombro, ouvia-os de novo, cada vez mais fracos, certamente, mas que diferença faz que um grito seja fraco ou forte? O que é preciso é que ele pare. Enquanto isso, seguia eu, respondendo, doce e ocasionalmente, a quem encontrava na rua. Estou bem, estou feliz da vida.

vômito de hoje, helena

Sunday, April 09, 2006

Instruções para chorar

Deixando de lado os motivos, atenhamo-nos à maneira correta de chorar, entendendo por isto um choro que não penetre no escândalo, que não insulte o sorriso com sua semelhança desajeitada e paralela. O choro médio ou comum consiste numa contração geral do rosto e um sim espasmódico acompanhado de lágrimas e muco, este no fim, pois o choro acaba no momento em que a gente se assoa energicamente.
Para chorar, dirija a imaginação a você mesmo, e se isto lhe for impossível por ter adquirido o hábito de acreditar no mundo exterior, pense num pato coberto de formigas e nesses golfos do estreito de Magalhães, nos quais não entra ninguém nunca.
Quando o choro chegar, você cobrirá o rosto com delicadeza, usando ambas as mãos com a palma para dentro. As crianças chorarão esfregando a manga do casaco na cara, e de preferência num canto do quarto. Duração média do choro, três minutos.

HISTÓRIAS DE CRONÓPIOS E DE FAMAS de Julio Cortázar

Wednesday, March 08, 2006

esse amor que procuro não serve ao ciúmes
é um pote cru de mim
dorme na eminência de nascer
escorre como lágrima de cavalo
denso de ser
leve de haver-se
como folha de boca aberta pro sol
sem risco no silêncio

Tuesday, February 28, 2006

Deixa o Jamelão cantar...

O troféu gafe fica pros jornalistas que cobriram esse carnaval. Quanta indelicadeza! Quanta falta de sensibilidade! Os carnavalescos lá tentando fazer o seu suado trabalho e eles em cima fazendo as perguntas mais incovenientes. Pro mestre-sala da mangueira, que se aquecia pra entrar na avenida: “E aí esse ano vocês vão botar pra quebrar? Porque o ano passado...o que aconteceu o ano passado que vocês foram tão mal? Pro carnavalesco da Rocinha no finalzinho do desfile: “Como você explica o fracasso do desfile?” O Jamelão dando o grito de entrada da Mangueira na avenida: “Esse é o Jamelão, ele está anunciando a entrada da estação primeira da Mangueira, esse é um momento muito emocionante, não é Maria Augusta. É Kleber, e veja só o carnavalesco Max Lopes veste uma roupa inspirada no Programa “Hoje é dia de Maria”. Calem a boca! Quem está interessado nesse papinho com a Mangueira entrando na avenida. Quem está interessado em duas pessoas explicando cada alegoria, analisando cada centímetro do desfile. Como se as alegorias de carnaval fossem as mais difíceis metáforas. Onde a Eva é representada por uma mulher gigante nua, com o sexo coberto por uma parreira, num carro com várias pessoas penduradas em tecido como se fossem cobras, a jornalista ainda me solta: “Não entendo porque um carro que representa o feminino vem com essas figuras de macacão penduradas”. Ai meus ovários! Não que as escolas não gostem de aparecer. Vale até xingar os câmeras pra aparecer. Mas pra quem trabalhou no carnaval e se aventurou a acompanhar a maior festa popular do país pela telinha, tomando cerveja, teve que engolir quadrado.

Wednesday, February 22, 2006

Se você está indeciso como os tucanos ou fazendo propaganda de alguma coisa como o Lula ou até ginástica pro carnaval ou quem sabe assistindo Alma gêmea ou talvez tentando ser sexy, (ou seja, como ensinam num programa da GNT, jogando o cabelo, piscando lentamente, usando óculos escuros, andando de salto alto pra ressaltar a lordose ou rebolando pra acentuar a fertilidade – no caso do homem chamando o garçom com confiança) ou se simplesmente você está puto com a câmara dos deputados e o senado vazios na semana que antecede o carnaval ou mesmo estupefato com a declaração de Britney, que depois de ser mãe, descobriu que sabe cantar, talvez não tenha pensado na vitória da Ayahuasca brasileira sobre a Suprema Corte Americana e nem em ir ao teatro. Por isso eu estou aqui.

Algumas indicações pra quem vai moscar em São Paulo no carnaval...

UTOPIA no SESC Consolação
O PORCO no CCSP
17xNelson no Teatro FÁBRICA
ORAÇÃO PARA UM PÉ DE CHINELO no Espaço dos SATYROS
"AIKIDO não é a oposição de duas forças materiais em que a maior se impõe à menor e sim a perfeita associação de dois estados de espírito diametralmente opostos em que um dos dois, de natureza benéfica, vencerá iluminando o adversário"
Morihei Ueshiba sensei

Sunday, February 19, 2006

"É ridículo levar-se a sério(...)A seriedade designa a situação intermediária de um homem equidistante entre o desespero e futilidade(...)O humor ri de si ou do outro como de si, e sempre se inclui, em todo caso, no disparate que instaura ou desvenda(...)A ironia quer dominar, o humor liberta."
André Comte-Sponville em "O Tratado das Grandes Virtudes"

Friday, February 17, 2006

Abaixo a cretinice
Abaixo o mau humor
Abaixo o uso indevido de frases maravilhosas
Abaixo a servidão aos mitos inúteis
Abaixo a brutalidade
Abaixo o discurso

Pra inaugurar esse espaço que por enquanto é só uma extensão do que tem abaixo desses cabelos loiros ressecados, o único homem por quem eu largaria o meu

HENFIL
se você quiser ver o quadrinho entre no "fotoblagh" - desculpa eu juro que tentei pôr aqui, mas ainda não aprendi como adiciona imagem