Friday, May 05, 2006

“Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente e se pensa. Se em certa conversa tivesse tido as frases que só agora, no meio do sono elaboro...”

Escrever me incomoda, não posso ser as palavras. Eu queria almoçar essas palavras, no mínimo, mesmo não sendo muito, mas o máximo que ainda me permito é almoçar com essas palavras. Perguntei ao meu estômago se eu o incomodo. Baixinho, pra não incomodar. Isso me é indiferente, hoje. A resposta me pareceu um ponto final na minha narrativa, se é que ele ouviu a minha pergunta. Se eu não te incomodo, que diferença faz continuar. Ele respondeu, Suas palavras não são ruins, talvez um pouco doces demais. Tenho certeza de que ele está cheio de mim, mas o nome doce era pequeno demais pra me enjoar da conversa, porém era o que ele dizia, e não vejo que interesse ele poderia ter de estar mentindo a respeito, evidentemente nunca se sabe. Por mais que eu estivesse pouco à vontade com os mistérios das minhas entranhas, perguntei se era possível ilustrar melhor a sua percepção, com algum exemplo. Ele pediu, se é que eu ouvi direito, que eu descrevesse o que acabara de engolir no almoço, bastante satisfeita. Até então eu estava igualmente satisfeita quanto a conversa, mas quando fui convencida a fazer um exercício de memória palatar, confesso que senti preguiça. Não tenho nada contra comer, quando estou comendo. O cheiro da berinjela, e aquela sensação de que suas sementes vão se misturar com o arroz, só me dão prazer, durante a degustação. Se me surpreendo em processo de recordação, já estou pensando como é que se escreve shoyu, o que faz muita diferença pra quem quer se esquecer, como eu, de que seu cheiro outrora forte e saboroso, pode ter tomado outras proporções dentro de mim. Não falei nada do kibe, porque ainda estou presa no que pode haver de doce nessas palavras. Vamos lá, sr. satisfeito cheio, a minha parte está feita, estão aí acima, meus breves escritos, minhas impressões sobre o meu almoço.



(ele)Se você não fala do que come, não comerá o que fala. Mal têm tempo de decantar o que pôs goela abaixo e já lhe causa asco!



(eu)Ah, não me venha com lições, não há nada mais generoso e doce que conselhos gástricos.



(ele)urrr



Ouvi um dinossauro e se não foi uma resposta torta que eu estufe. Costumo denominar de “dinossauro” todas as interjeições advindas do aparelho digestivo. E foi assim que passei a tarde. Quando estava em atividade, não os ouvia graças aos outros ruídos. Mas assim que o silêncio encostava no meu ombro, ouvia-os de novo, cada vez mais fracos, certamente, mas que diferença faz que um grito seja fraco ou forte? O que é preciso é que ele pare. Enquanto isso, seguia eu, respondendo, doce e ocasionalmente, a quem encontrava na rua. Estou bem, estou feliz da vida.

vômito de hoje, helena

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