Sunday, April 18, 2010

Crítica postada por Nelson de Sá no blog CACILDA! em 20/03/2010

É um alívio ver que Mario Bortolotto escreveu uma comédia _e musical, ao menos parcialmente_ depois do que passou.

Uma comédia politicamente incorreta, misógina, como ele mesmo proclama no correr do texto; mas também de personagens ingênuos, adolescentes anacrônicos, antes filhos do que opressores das prostitutas que compõem metade dos 12 personagens, nesta produção de médio para grande porte.

Por qualquer razão, que não consigo identificar, são as mulheres da plateia que riem mais, bem mais. Talvez porque os papeis masculinos se exponham quase como crianças. Ou talvez, fantasiei a certa altura, porque o autor e ator, no episódio célebre, enfrentou assaltantes que agrediam duas mulheres.

(Outra imagem, que cerca hoje a figura de Bortolotto, no que também é abordado subliminarmente na peça, é que os tiros que levou, os dias sob risco de morte e por fim a cobertura espetacular elevaram o dramaturgo ao panteão da celebridade de mídia, embaralhando a relação usual da plateia com o palco, para o bem e para o mal, em ondas.)

A peça é engenhosa, a mais bem construída das que vi dele, e prostituição e misoginia claramente não são seus temas centrais, mas atalhos. Envelhecer, os amigos, amor e sexo: são estes os eixos. Por toda parte, as "one-liners" servem de porta de entrada para devaneios nada cômicos, num ruído constante de tristeza.

À primeira vista, o texto parece remeter à farsesca "E aí, Comeu?", de Marcelo Paiva, mas logo se percebe que não é o caminho do dramaturgo. É uma comédia amarga.

Não falta sequer uma tentativa de suicídio, de uma das prostitutas, lá pelo meio. E a "bagagem" revelada pouco a pouco, por todos, homens e mulheres, remete ao vazio, mais do que à saudade.

Talvez a frase de maior eco seja aquela de que, afinal, "não tem importância". Sonhos, ambição, a própria vida, nada tem.

Em tempo, "Música para Ninar Dinossauros" é dividida em dois planos, o presente quarentão e o passado pós-adolescente de três amigos. Em ambas as cenas, que se entrecuzam seguidamente sem interagir, eles estão com mulheres, prostitutas às quais se apegam quase como outros amigos, com quem falam sem precisar conter gestos e palavras.

A qualidade da interpretação surpreende, em muitas das atrizes e principalmente nos dois amigos não originalmente atores do próprio dramaturgo, Lourenço Mutarelli e Carlos Carcarah.

Como em quase tudo, é possível identificar lembranças de amigos reais em seus personagens, amontoando piadas e abuso verbal com fidelidade e proteção comum.

Vi no segundo dia, depois de uma estreia com muito atraso no festival de Curitiba, com problemas de iluminação e de ritmo, pelo que me contaram, e não vislumbrei maiores percalços.

É, muito provavelmente, o espetáculo de maior apelo de público que Bortolotto já escreveu, encenou e interpretou -e não só por ter se tornado celebridade. Mas sua voz singular, sua auteridade, como descreveu o diretor Roberto Alvim há pouco, num debate de ambos aqui, está lá. Não se perdeu.

(Nelson de Sá)

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